quarta-feira, setembro 25

Uma história de cheiros e gostos ( Memórias pessoais sobre a alfabetização).

Não sei se fui apresentada ao livro
Ou se ele veio a mim
Infinidades
Afinidades
Coisas assim!

Não sei se senti o cheiro
De mato
De alecrim
Cheirinho de coisa nova
Ou perfume... De jasmim!

Não sei se o gosto na boca
Foi da palavra doce
De coco, de amendoim...
Seria um doce de agosto
De_leite de chocolate
Servido lá no jardim?

Não sei se as cores vivas
Pintadas no arco-íris
Aquarelaram na folha.
Ou se foi da cor o lápis
Azul de um céu sem fim.

Acho que foi a palavra
Descoberta por acaso
Histórias de gatos pardos
Que trouxe o mundo pra mim.

Letras pretas dançarinas
Os meus olhos conquistaram
E tanto mais eu gostava
E muito mais eu queria
Descobrir a fantasia
Na leitura que chegava.

Dançavam meus cinco anos
Numa página desenhada
Nas letras desconhecidas
Que da infância tornava-se
A mais bela companhia.
Fátima Mota 2009

domingo, setembro 8

Apenas uma crônica



        Eu gosto mesmo é das possibilidades, sou deslumbrada pela vida e por tudo o que acontece em torno de mim. Seus altos e baixos, invernos e verões, escuros e clarões, me lanço dos infernos astrais aos céus da ilusão.
         O meu fascínio é por gente que se arrisca, que ama, ri, sofre, canta e dança. Gente que não se acostuma e se lança mesmo sem âncoras. Gente olho no olho, pele e emoções, além da superfície, além da aparência. 
       Eu gosto das probabilidades que há nas portas entreabertas, das frestas e fendas que comportam a infinitude, das curvas ariscas, sem mornos, sem medidas, sem encostas e raízes.
        Apraz-me a magia do amanhecer e da saudade do fim da tarde. Encanta-me a lua e seus fios de prata, as cores multifacetadas no cais e a lira na hora da Ave-Maria.  Gosto dos colares e rendas, dos terços e das oferendas, da oração e sua magnitude, dos rosários e compassos do meu coração.
       Viver sem tendas ou assentos marcados, sem cruzes fincadas ao chão, sem absurdos e migalhas na relação.  Cobiço aqueles bordados à mão que rendam as páginas da nossa história, desenhos grafados com desiguais pontos: cheios, craseados, cravejados, linhas pontilhadas, em cores ou preto e branco, representações matizadas.      
       Gosto da sonoridade das palavras, dos vocábulos intermediários e do poema das entrelinhas.   É belo sentir o poder do silêncio e a leveza do perdão. Distrai as más intenções.
         Eu gosto mesmo é de sentir na veia o redemoinho da vida e o alvoroço do dia-a-dia, às vezes da janela, outras, fantasia... delicadezas e escolhas.  Permitir-se, definir-se, não se deixar envelhecer e nem enterrar os seus sonhos.  Esplêndida ou feia assim é a vida, com grandes estreias e muitos desafios, com plateias e figurantes, com flores e cardos,  bailados e cantatas noturnas, palavras benditas outras nem tanto, caminhos e atalhos, multidão, solidão, comunhão.   Às vezes é preciso desfazer-se das armaduras e separar coisas amiúdes que nos subtraem ou maximizam.   Às vezes são precisos desafios para ser feliz.
      Gosto de ser feliz ainda que em pequenas ou imensas doses_ sem culpas e sem analistas
para desatar os meus nós.

domingo, setembro 1

Setembros

Todos os cheiros me visitam
todas as flores me perfumam
todas as cores me saúdam.

O vento norte sopra memórias
abrem-se comportas
Os meus invernos despediram-se
as minhas ites ( tendinites, busites)
foram-se com o frio.

Renova-se o ciclo e os odores
novos amores,novos pecados,
até novos dissabores.

A tristeza estrangula-se
e caudalosa deságua
é hora de a_mar
de ir e voltar
de chegar e ficar.
Hora de saber-se, de querer-se.
A vida começa a acontecer
é hora de acordar
desejar botões de orquídeas,
violetas, jasmins, girassóis,
flores em profusão.

É hora de janelas abertas
in_disfarçáveis esperas
na boca da noite
e de beijo com gosto de framboesa.

*Fátima Mota*